Anton Tchékhov : o escritor como testemunha



 Médico, formado em 1884 em Moscou, Tchékhov clinicou em várias províncias da Rússia. 
A sua literatura tem a precisão e objetividade de um cientista e simultaneamente a delicadeza das experiências emocionais vividas em seu cotidiano.

O escritor defende a Literatura como o lugar de "retratar a vida como ela é" e "não mentir a si mesmo", desta forma, foge de predileções e rótulos, considerando a brevidade como a irmã do talento. Em carta a Suvórin, seu editor, em 1888 ele declara :
" Eu acho que não são os escritores que devem resolver questões como Deus, o pessimismo, etc. O que cabe ao escritor é apenas representar quem, quando e em que circunstâncias falou ou pensou sobre Deus ou sobre o pessimismo. O artista não deve ser juiz de suas personagens e daquilo que dizem, mas tão somente testemunha imparcial. Ouvi dois russos falarem sobre o pessimismo, numa conversa sem nexo e que não chegava a nada. Devo transmitir essa conversa exatamente como a ouvi; a julgá-la serão os jurados, ou seja os leitores. Meu papel é apenas ter talento, ou seja, de saber diferenciar os testemunhos importantes dos inúteis, de saber iluminar as personagens e falar a língua delas."

Esta veracidade na descrição de personagens e objetos, a objetividade  e fuga dos chavões são chaves para sua escrita coerente. Ele mesmo reconhece que as práticas médicas exerceram influência em seu olhar :

"O conhecimento das ciências naturais, do método científico sempre me manteve alerta, e tentei, onde foi possível, conformar-me aos dados científicos: onde não foi preferi não escrever de jeito nenhum" 

Tchékhov tinha a máxima de não inventar sofrimentos jamais experimentados, pois para ele :

"A grandeza da arte reside no fato de que ela não admite mentira.É possível mentir no amor, na política, na medicina; é possível enganar as pessoas até mesmo Deus, mas na arte é impossível mentir "

Tendo este preceito faz do escritor um avesso à todas os dogmas políticos :

"Não sou nem liberal, nem conservador, nem progressista, nem monge, nem indiferencista. Queria ser um artista livre, mais nada, e lamento Deus não ter me dado forças para isso. Detesto a mentira e a violência sob todos os aspectos (....) O farisaísmo, a estupidez e a arbitrariedade reinam não só nas casas dos comerciantes e nas cadeias; eu os vejo na ciência, na literatura, entre os jovens. Por isso, não nutro uma predileção especial, nem pelos gendarmes, nem pelos açougueiros, nem pelos cientistas, nem pelos escritores, nem pelos jovens Considero preconceito, marcas e rótulos. Meu santuário é o corpo humano, a saúde, a inteligência, o talento, a inspiração, o amor e a liberdade absoluta, a insubordinação à violência e a mentira, onde quer que estas duas últimas se manifestem. Aí está o programa que eu seguiria se fosse um grande artista"

Carta a Aleksei Plechtchéiev de 1888
Outro ponto fundamental da escrita de Tchékhov é o amor à descrição, em cartas ele dá conselhos sobre esta arte de fazer o leitor mergulhar numa paisagem, como se pudesse apalpar o descrito ou mesmo sentir os aromas do ambiente :

"uma descrição da natureza, antes de mais nada deve ser pictórica, para que o leitor, tendo lido e fechado os olhos, possa imaginar imediatamente a paisagem representada "

Ele vela também pela harmonia dos capítulos e a afinidade entre os contos :
"esforço-me para que tenham o mesmo aroma e o mesmo tom, o que poderei obter mais facilmente visto haver uma personagem que atravessa todos os capítulos. Sinto que superei muitas dificuldades, que há passagens com cheiro de feno .."
Carta de 1888 escrita à Dimitri Grigoróvitch

No caso das descrições do estado de espírito da personagem, os detalhes são ainda mais importantes, mas Tchéhkov alerta :

"Deus nos livre dos lugares comuns ! O melhor de tudo é evitar descrever o estado de espírito das personagens; deve-se fazer com que ele seja apreendido a partir de suas ações " Carta de 1886 para Aleksandr Tchékhov 

Testemunhamos um processo e o contexto é fundamental para garantir a coerência ou não dos acontecimentos. E como bem adverte o escritor, é necessário a humildade no estudo da alma humana :

"Não é obrigação do psicólogo compreender o que ele não compreende. Além disso, não é obrigação do psicólogo aparentar compreender aquilo que ninguém compreende. Não sejamos charlatões e vamos deixar claro que neste mundo ninguém pesca nada. Somente os imbecis e os charlatões é que sabem e compreendem tudo "

Nós temos sempre muito para aprender e agradecemos aos escritores por estas sutilezas percebidas, nesta miríade de personagens, que ampliam o nosso olhar para a realidade. 

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Psicopatologia e literatura

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