Admirável mundo novo

 A história se passa no ano 632 “depois de Ford” , portanto em 2495 d.C. se considerarmos o ano 1 D.F. como 1863 d.C, ano do nascimento de Henry Ford. 

O criador da linha de montagem é, por essa época, adorado como um deus. As cruzes cristãs tiveram seu topo decepado , e agora o símbolo da grande religião mundial é o T (referência ao Modelo T, marco da produção em série, criado por Ford em 1908).


A sociedade é dividida num sistema rígido de castas; os Alfas e Betas, no topo, seguidos dos Gamas, Deltas e Épsilons, os indivíduos são produzidos industrialmente, e condicionados desde a embriogênese para o trabalho ao qual serão destinados, sendo mantidos sob total controle psíquico.

Este controle é feito pelo método da hipnopedia, descrito no livro :

"O condicionamento sem palavras é grosseiro e inteiriço, não pode inculcar os modos de comportamento mais complicados exigidos pelo Estado. Para isso são necessárias palavras, mas palavras sem razão...” o tipo de palavras que não requerem qualquer raciocínio para serem compreendidas, mas podem ser sorvidas em bloco pelo cérebro adormecido. Esta é a verdadeira hipnopedia, “a maior força de moralização e de socialização de todos os tempos”. No Admirável Mundo Novo, nenhum cidadão pertencente a uma classe inferior causou jamais qualquer perturbação. Por quê? Porque, desde o momento em que pôde falar e compreender o que lhe diziam, toda criança de uma classe inferior era exposta a sugestões vagamente repetidas, noite após noite, durante as horas de modorra e de sono. Estas sugestões eram “semelhantes a gotas de lacre líquido, gotas que grudam, se incrustam, se agregam a si próprias naquilo sobre o que caem, até que, por fim, a rocha não se parece mais do que uma massa encarnada. Até que, finalmente, o espírito da criança seja estas sugestões, e a soma destas sugestões seja o espírito da criança. E não apenas o espírito da criança. Mas também o espírito do adulto – durante toda a sua vida. O espírito que decide e que anela e julga – constituído por estas coisas sugeridas. Mas estas sugestões são as nossas sugestões – as sugestões do Estado."

Os bebês submetidos ao condicionamento Pavloviano recebiam o estímulo neutro que eram as belas flores e os livros, após recebiam o estímulo incondicionado que era o choque e o barulho, a resposta futuramente seria então, ter aversão a qualquer um dos dois produtos, flores ou livros.

A mente é bombardeada com informações que sugerem ao indivíduo como deve pensar e agir. O espírito do sujeito é formado de acordo com a vontade do estado, ou seja, o livre arbítrio deixa de existir. As vontades e as necessidades são condicionadas de acordo com o modelo social. Dessa forma, o indivíduo aceita fazer parte de uma classe inferior, a se vestir de certa maneira, a agir de certo modo, julga, deseja e decide seguindo o que lhe foi sugerido durante o sono. 

 A hipnopedia era uma forma de educação em massa, e simultaneamente o soma era administrado para qualquer situação de conflito.


Esta "perfeição química" atua no organismo eliminando qualquer indício de infelicidade, impondo de maneira eficiente, uma barreira ao seu surgimento.
Assim não há espaço para incertezas, desencontros ou sofrimentos.
Finalmente a dor existencial tem a oportunidade de ser curada através do soma, a rápida e efetiva : droga da felicidade 

O soma era comprado ou distribuído nas fábricas a todos os trabalhadores,
 proporcionando-lhes assim um descanso merecido após um longo dia de trabalho.
Ficavam felizes ao receber sua ração diária de entorpecente.

“Às seis horas, terminando o seu dia de trabalho, reuniam-se no vestíbulo do Hospital e recebiam do Subecônomo-Assistente a sua ração de soma"

"Ingerido em pequenas doses, oferecia uma sensação de felicidade; em doses mais elevadas, fazia-nos ter visões e, se engolíssemos três pílulas, cairíamos, após alguns minutos, num sono refrigerante. Tudo isto sem qualquer problema físico ou mental. […] 

No Admirável Mundo Novo o hábito de tomar Soma não era um vício privado; era uma instituição política, era a verdadeira essência da Vida, da Liberdade e da Busca da Felicidade garantidas pela Declaração de Direitos. Mas este privilégio supremamente precioso e inalienável dos súditos era, da mesma forma, um dos mais poderosos instrumentos de domínio do arsenal do ditador. […] A religião, declarara Karl Marx, é o ópio do povo. No Admirável Mundo Novo, a situação invertera-se. O ópio, ou antes o Soma, era a religião do povo."

 É fundamental a análise do quanto este pedido para a eliminação do sofrimento psíquico, vem sido reiterado em nossa sociedade de consumo, o aumento vertiginoso dos fármacos para esta alienação ou evasão da realidade. 

O título - Brave New World, é tomado emprestado de uma das últimas peças de William Shakespeare : A tempestade (1611),quando Miranda diz :

"Esplêndida humanidade, maravilhoso mundo novo que pode nutrir seres tão perfeitos"

É claro, que no contexto de distopia esta é uma frase de contraste e o escritor quer atentar para os perigos do controle autoritário e de uma sociedade de castas.

Sua crítica é feita através dos indóceis personagens: Bernard e John.

 Ambos entram em conflito com o sistema criado :  Bernard Marx, que apesar de pertencer à elite genética, é um alpha que  por um defeito durante a sua gestação acabou saindo diferente dos demais ; e  John o selvagem, uma pessoa de fora da sociedade que trazido para a convivência aponta para as incongruências existentes. Aldous Huxley atenta em diversas entrevistas que : 

“A ditadura perfeita terá as aparências da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão.”

 A leitura do livro é um bom convite para este momento.

Como disse Mario Vargas Llosa em sua análise sobre o livro em 2004 :

"O sonho da sociedade ideal não nasce do altruísmo, da generosidade ou dos sentimentos mais elevados, trata-se do retorno à escravidão, do retrocesso a um estado de completa submissão e falta de responsabilidade, uma volta à felicidade plena do homem, que antecede ao nascimento do próprio indivíduo "

LLOSA, Mario Vargas. A verdade das mentiras. São Paulo: Arx, 2004




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