Thomas Mann e o Brasil

 Thomas Mann nasceu em Lübeck, na Alemanha, era filho da brasileira Júlia da Silva-Bruhns e de pai alemão.Quando Hitler tomou o poder, ele partiu para o exílio , nos Estados Unidos e só retornou à Europa em 1952, vivendo na Suiça até a sua morte.


      “Não se pode escrever uma história da família Mann sem pensar
 em suas raízes brasileiras”  

anota Karl-Josef Kuschel em seu livro Terra Mátria: a família de Thomas Mann e o Brasil escrito em co-autoria com Paulo Astor Soethe.
Julia da Silva Bruhns Mann (1851 – 1923) nasceu em Paraty (RJ) e mudou-se aos sete anos para a Alemanha, levando consigo seu caráter forte, seu amor pelas artes e sua mentalidade livre. O escritor chamou o Brasil de “Mutterland” (terra mátria) e lia sobre o país regularmente.

Recomendo que você assista este documentário, realizado por alunos de Letras da Universidade Federal Fluminense, aborda a influência da mãe brasileira de Thomas e Heirich Mann sobre a obra dos filhos e descendentes. Com entrevistas de Paulo Soethe, Johannes Kretschmer, Sabina Wenzel e Diuner Mello. Filmado em Paraty, em 2011.

O livro, Terra Mátria, traz dezenas de documentos inéditos, inclusive a carta que está hoje na Biblioteca Nacional da Áustria em Viena, na qual Thomas Mann declara :        

 "Sempre estive consciente do sangue latino americano que pulsa em minha veias e bem sinto o quanto lhe devo como artista. Apenas uma certa corpulência desajeitada e conservadora de minha vida explica que eu ainda não tenha visitado o Brasil"

O escritor e seu neto Frido (co-autor do livro)

Thomas Mann atribui à mãe o importante papel da musicalidade em sua vida e associa tal aptidão à origem étnica de Julia Mann, sob noções vagas de uma "psicologia dos povos" bastante difundida na época. Em uma carta de junho de 1939 à mecenas americana Agnes E. Meyer, o escritor ressalta a "propensão ao 'Sul', à arte e à boemia" que havia em sua mãe:

"Minha herança paterna e materna divide-se exatamente segundo o modelo goetheano: do pai a "estatura", ao menos uma dose disso, e "o jeito sisudo de ser"; da "mãezinha", tudo que G. [Goethe] resume simbolicamente nas palavras "alegria, candura" e a "vontade de histórias tecer", o que nela assumia formas bem diferentes, é claro. Sua natureza pré-artística e sensível expressava-se na musicalidade, em seu piano tocado com bom gosto e com a aptidão proporcionada por uma formação burguesa consistente, e em sua refinada arte de cantar, à qual devo meu bom conhecimento da canção alemã. Ela foi levada a Lübeck ainda em tenra idade, e enquanto durou lá sua lida com as obrigações da casa comportou-se como uma boa filha da cidade e de seus extratos sociais mais elevados; uma corrente interior de propensão ao "Sul", à arte e à boemia, no entanto, jamais deixaram de estar claramente presentes. (Mann 1961ss.: vol. 2: 100s.)

A casa era frequentada por artistas e intelectuais, a anfitriã promovia bailes e via-se cercada de oficiais, músicos e gente de teatro que lhe faziam a corte. Seu filho Thomas descreve-a em Das Bild der Mutter (O retrato da mãe), de 1930, como a seguir:

Nossa mãe era de beleza extraordinária; sua presença, espanhola, não restava dúvida - voltei a encontrar certos traços da raça e do habitus em dançarinas famosas -; irradiava o esplendor sulino de marfim, era nobre o feitio de seu nariz, e a boca formosa como jamais vi outra.

[...] e mesmo que nós, eu e meus irmãos, enquanto crianças, estivéssemos sob a responsabilidade de uma governanta para os cuidados principais, o lar ainda conservava um caráter suficientemente burguês para que sempre houvesse contato entre nós e nossa mãe, e ela com freqüência nos dedicava suas noites livres, quando lia histórias de Fritz Reuter para nós, sob a luminária da mesa da sala. Era surpreendente como o dialeto de Mecklenburg soava bastante bem em sua boca exótica, e ela o dominava melhor que qualquer outra pessoa em casa. (Mann 1983: 153)

Saiba mais sobre o tema lendo o livro :


Vemos a presença desta influência musical na obra prima de Mann, Doutor Fausto, e neste livro temos pistas dos conflitos do escritor com a própria Alemanha vivenciada. 

Na conferência : A Alemanha e os alemães ele fala deste temperamento nacional. 

"Nossa maior obra, o Fausto de Goethe, tem por herói o homem na fronteira entre a idade média e o humanismo, o Homem-Deus, que se entrega ao diabo por uma insolente sede de conhecimento e de poderes mágicos. Lá onde o orgulho intelectual se alia á dependência e ao arcaísmo da alma, lá está o diabo. E o diabo, o diabo de Lutero, o diabo de Fausto, parecem-me ser uma personagem bem alemã; e o pacto com ele, o abandono ao diabolismo, para poder adquirir durante um tempo determinado, em troca da saúde anímica, todas as riquezas e todo o poder do mundo me parece uma coisa particularmente próxima do temperamento alemão."

O Fausto de Mann é ambientado não no entre-eras Média e Moderna, mas num mundo contemporâneo, seu, que tem o sentido do apocalíptico em si e se questiona justamente sobre as possibilidades futuras: políticas, artísticas, econômicas.

E o objetivo de Thomas Mann com seu Doutor Fausto é o de mostrar como o mal não “remediado” ou mal-curado do fim da Idade Média retorna nos seus dias, na Alemanha que antecede a Segunda Guerra. Pois o demônio, o Mefisto de Thomas Mann, surge como uma enfermidade. 

Vamos conversar mais sobre esta relação saúde/doença na  obra de Thomas Mann em  nosso próximo episódio .

Escute o Podcast deste episódio : 

https://open.spotify.com/episode/1MRl8L3SnNwYPdAu1soC3k?si=-_C3ayiCSymtM1a29XHBog


Aproveite para ouvir as músicas que inspiraram a escrita do livro Doutor Fausto


https://open.spotify.com/playlist/06Ngn6qneVwdfHPOQ7NnN9

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