Ler a si mesmo, o conselho de Italo Svevo
" E então o que eu sou ? Não aquele que viveu, mas aquele que eu descrevi.Ó a única parte importante da vida é o recolhimento. Quando todos o tiverem compreendido com a mesma clareza que eu, todos escreverão. A vida será literaturizada. Metade da humanidade irá dedicar-se a ler e estudar aquilo que a outra metade tiver anotado. O recolhimento ocupará o máximo do tempo que será então subtraído da horrível vida real.E se uma parte da humanidade se rebelar e se recusar a ler as elucubrações da outra parte, melhor ainda. Cada um lerá a si mesmo.E a própria vida resultará mais clara ou mais obscura, mas irá repetir-se, corrigir-se, cristalizar-se "
"Minha cabeça girava, sentia-me confuso, a vida parecia-me tão cinza que não conseguia evocar tua face branca, não me agradavam nem o meu romance, nem a lembrança de ontem à noite, angustiava-me brutalmente por causa de Veruda e pelos 17 pontos que teu pai me tirou no jogo de cartas e pela forma das instruções que tua mãe me deu e porque Schreiber faz com que eu me atrase e porque o tempo não quer reestabelecer-se (...) /e fumei o último.
O mundo iluminou-se e encontrei o título do meu romance"
"Levei três anos para escrevê-lo em meus retalhos de tempo. E procedi deste modo: Quando ficava sozinho, tentava me convencer de que eu mesmo era Zeno. Caminhava como ele, fumava como ele, e procurava em meu passado todas as suas aventuras que podem se parecer com as minhas apenas porque a reevocação de uma aventura própria é uma reconstrução que facilmente se torna uma construção totalmente nova quando se consegue inseri-la em uma atmosfera nova. E nem por isso perde o sabor e o valor de uma recordação, nem sua melancolia"
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Neste trecho, Svevo descreve-se como um misto de ator e dramaturgo que “encarna” a personagem para deixá-la falar através de si. A partir dessa espécie de possessão controlada, o escritor expõe um processo criativo a meio caminho entre o trabalho e a inspiração.
Em contrapartida, no Profilo autobiográfico Svevo afirma que A consciência de Zeno, publicada e 1923, nascera em uma época em que ele estava livre de compromissos, já que, em razão da guerra, a fábrica havia fechado e o quarteto em que tocava violino não se reunia mais.
O romance teria sido escrito em um “momento de inspiração forte e arrebatadora” e foi incentivado por James Joyce, que era seu professor particular de inglês em Trieste e o animou na retomada da escrita literária.Em uma carta de James Joyce à Italo Svevo em 30 de janeiro de 1924 lemos os comentários sobre a leitura da Consciência de Zeno:
"Por agora há duas coisas que me interessam. O tema : nunca tinha pensado que fumar pudesse dominar uma pessoa desta maneira. Segundo : o tratamento do tempo no romance "
- Em fevereiro de 1926, graças à influência de James Joyce, havia sido publicado um número especial da revista de Adrienne Monnier, Le Navire d'Argent, inteiramente dedicado a Italo Svevo.
- Um episódio narrado pelo próprio Svevo no ensaio “Soggiorno Londinese” é exemplar dessa relação íntima que o autor identifica entre a literatura e sua própria personalidade.
"Eu passava as noites lendo alguns jornais de Londres, especialmente os crimes e os processos, a matéria bruta para a minha cara literatura que assim me perseguia. Lembro-me que em 1903 foi assassinada em um trem na estação Clapham Function, não distante do meu bairro, a senhorita Moncy, cujo cadáver foi encontrado em uma galeria. Nunca se descobriu o assassino. Começou uma investigação febril de toda a vida da pobre moça e de todos os seus conhecidos dos lugares onde ela havia estado e por onde havia passado. Vivi inteiramente aquela caça e sentia a ansiedade ora do detetive, ora do assassino. Um dia anunciava-se a descoberta de uma pista, depois uma outra, depois tudo era anulado e tomava-se um caminho diferente para recomeçar a investigação. Um dia falei do crime com tanta vivacidade a um inglês que ele por pouco não correu à delegacia de polícia mais próxima para me denunciar. Pensei com rancor: Essa bendita literatura. Não quer me abandonar. Vai acabar me conduzindo à forca."
A paixão pela Literatura que faz da realidade uma constante fonte de aprendizagens, ou como diz o escritor "a vida não é nem feia, nem bonita, mas original "
Escute o podcast deste episódio : Italo Svevo
Para saber um pouco mais sobre Italo Svevo :
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