Ler a si mesmo, o conselho de Italo Svevo

"Deve haver no meu cérebro alguma roda que não consegue parar de fazer aqueles romances que ninguém quer ler ... "


 Italo Svevo é o pseudônimo de Ettore Schmitz, nascido em 19 de dezembro de 1861 na cidade de Trieste (norte da Itália) e morto em 1928 num acidente automobilístico. 
 Aos doze anos de idade começou sua formação não só italiana, mas também européia, indo estudar junto com os irmãos na Baviera, onde deveria preparar-se para a carreira que o pai havia escolhido, a de comerciante.
 Logo aprendeu a língua alemã, tendo contato com os grandes clássicos europeus e alemães, bem como da Psicanálise de  Freud e a filosofia de Schopenhauer.
Percebemos a influência desta filosofia em seus três romances : 
Una vitá, Senilidade e A Consciência de Zeno.

A literatura de Svevo segue uma linha que irá acentuar a importância da prática do escrever constante e da escrita como conhecimento de si:

" E então o que eu sou ? Não aquele que viveu, mas aquele que eu descrevi.Ó a única parte importante da vida é o recolhimento. Quando todos o tiverem compreendido com a mesma clareza que eu, todos escreverão. A vida será literaturizada. Metade da humanidade irá dedicar-se a ler e estudar aquilo que a outra metade tiver anotado. O recolhimento ocupará o máximo do tempo que será então subtraído da horrível vida real.E se uma parte da humanidade se rebelar e se recusar a ler as elucubrações da outra parte, melhor ainda. Cada um lerá a si mesmo.E a própria vida resultará mais clara ou mais obscura, mas irá repetir-se, corrigir-se, cristalizar-se "

É uma relação da própria literatura com os aspectos íntimos de sua vida. As suas cartas apresentam toda dificuldades de realizar o ofício, os problemas dos contrato com os editores e até da recepção da sua obra pela crítica. 
Em carta à sua esposa de 14 de maio de 1897 , quando ele estava trabalhando na escrita de seu romance Senilidade; o autor descreve o estado de confusão mental e de perturbação em que se encontrava quando, tendo acendido um cigarro, o título da obra apareceu diante dele como uma epifania :

"Minha cabeça girava, sentia-me confuso, a vida parecia-me tão cinza que não conseguia evocar tua face branca, não me agradavam nem o meu romance, nem a lembrança de ontem à noite, angustiava-me brutalmente por causa de Veruda e pelos 17 pontos que teu pai me tirou no jogo de cartas e pela forma das instruções que tua mãe me deu e porque Schreiber faz com que eu me atrase e porque o tempo não quer reestabelecer-se (...) /e fumei o último. 

O mundo iluminou-se e encontrei o título do meu romance"

Em carta a Montale de 17 de fevereiro de 1926, o escritor declara :

"Levei três anos para escrevê-lo em meus retalhos de tempo. E procedi deste modo: Quando ficava sozinho, tentava me convencer de que eu mesmo era Zeno. Caminhava como ele, fumava como ele, e procurava em meu passado todas as suas aventuras que podem se parecer com as minhas apenas porque a reevocação de uma aventura própria é uma reconstrução que facilmente se torna uma construção totalmente nova quando se consegue inseri-la em uma atmosfera nova. E nem por isso perde o sabor e o valor de uma recordação, nem sua melancolia"

  1. Neste trecho, Svevo descreve-se como um misto de ator e dramaturgo que “encarna” a personagem para deixá-la falar através de si. A partir dessa espécie de possessão controlada, o escritor expõe um processo criativo a meio caminho entre o trabalho e a inspiração. 

  2. Em contrapartida, no Profilo autobiográfico Svevo afirma que A consciência de Zeno, publicada e 1923, nascera em uma época em que ele estava livre de compromissos, já que, em razão da guerra, a fábrica havia fechado e o quarteto em que tocava violino não se reunia mais. 

  3. O romance teria sido escrito em um “momento de inspiração forte e arrebatadora” e foi incentivado por James Joyce, que era seu professor particular de inglês em Trieste e o animou na retomada da escrita literária.Em uma carta de James Joyce à Italo Svevo em 30 de janeiro de 1924 lemos os comentários sobre a leitura da Consciência de Zeno:

  4. "Por agora há duas coisas que me interessam. O tema : nunca tinha pensado que fumar pudesse dominar uma pessoa desta maneira. Segundo : o tratamento do tempo no romance "

  5. Em fevereiro de 1926, graças à influência de James Joyce, havia sido publicado um número especial da revista de Adrienne Monnier, Le Navire d'Argent, inteiramente dedicado a Italo Svevo. 
  6. Um episódio narrado pelo próprio Svevo no ensaio “Soggiorno Londinese” é exemplar dessa relação íntima que o autor identifica entre a literatura e sua própria personalidade.

"Eu passava as noites lendo alguns jornais de Londres, especialmente os crimes e os processos, a matéria bruta para a minha cara literatura que assim me perseguia. Lembro-me que em 1903 foi assassinada em um trem na estação Clapham Function, não distante do meu bairro, a senhorita Moncy, cujo cadáver foi encontrado em uma galeria. Nunca se descobriu o assassino. Começou uma investigação febril de toda a vida da pobre moça e de todos os seus conhecidos dos lugares onde ela havia estado e por onde havia passado. Vivi inteiramente aquela caça e sentia a ansiedade ora do detetive, ora do assassino. Um dia anunciava-se a descoberta de uma pista, depois uma outra, depois tudo era anulado e tomava-se um caminho diferente para recomeçar a investigação. Um dia falei do crime com tanta vivacidade a um inglês que ele por pouco não correu à delegacia de polícia mais próxima para me denunciar. Pensei com rancor: Essa bendita literatura. Não quer me abandonar. Vai acabar me conduzindo à forca." 

A paixão pela Literatura que faz da realidade uma constante fonte de aprendizagens, ou como diz o escritor "a vida não é nem feia, nem bonita, mas original "

Escute o podcast deste episódioItalo Svevo 

Para saber um pouco mais sobre Italo Svevo :



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