Gogol, humor e amizades poéticas
"Fui muito interpretado, a maioria das minhas facetas discutidas, mas ninguém definiu minha essência principal.
Só Pushkin percebeu isso. Ele sempre me disse que nenhum outro escritor tem o dom de representar a banalidade
da vida com tanta clareza, de saber descrever a banalidade de um homem banal com tanta força de modo que todos
os pequenos detalhes que escapam à percepção brilhem nos olhos”
Sua obra revela, por uma espécie de acumulação absurda detalhes, ou talvez por contraste a essência de uma situação sobre um fundo caótico e fantástico, nos quais as expressões se destacam.
Gogol, tinha também o talento de levar do riso ao choro o leitor, e foi isto que Pushkin se espantou lendo a obra, Almas Mortas, embora o poeta tivesse se preparado para rir, mudou lentamente de expressão. Quando estava terminando a leitura com uma voz angustiada proclamou:
"Deus, como é triste a nossa Rússia !
Gogol diz nas cartas :
"Quando a leitura terminou, ele pronunciou em uma voz angustiada: ‘Deus, como é triste a nossa Rússia!’ Isso me surpreendeu. Pushkin, que conhecia tão bem a Rússia, não percebeu que era tudo uma caricatura e minha própria invenção! Então, eu percebi o que uma coisa cuja primavera é a alma e uma verdade espiritual significa, quão assustadora pode ser uma visão para um homem quando há sombras e quão ameaçadora é a ausência de luz”
O escritor gera em volta dos seus personagens um estranhamento ou absurdo, criando personagens que vagam em busca de sentido ou por vezes vivem de forma grotesca, situações inusitadas, nas quais já perderam qualquer contato com a realidade.
A relação entre os escritores aponta um fenômeno importante no processo criativo, a necessidade deste companheiro de viagem, alguém que faça este papel de leitor, comentador e que incentive o processo e estimule novas pesquisas
A morte de Pushkin o abala profundamente e escreve:
"Agora tenho a obrigação de concluir a obra cuja idéia forma do meu amigo. Que esquisito a Rússia, sem ele", Almas Mortas (o livro) foi recusado em 1841, pelo comitê moscovita de censura, mas graças os amigos, foi publicado em sua primeira parte em 1842.
A escrita da segunda parte é fonte de grande angústia, seu estado físico se degrada e num momento de delírio, ele queima na lareira de seu quarto, vários manuscritos.
Gogol morre em 1852 e em outra carta podemos entender a compreensão que tinha de si mesmo :
“ Deus me deu uma natureza multifacetada. Ele também inspirou em mim. desde o meu nascimento , algumas boas caraterísticas; mas o melhor de todas elas, sobre a qual não sei como agradecer a Ele, foi o desejo de ser melhor.
Nunca amei minhas más qualidades, e se o amor divino de Deus não tivesse comandado que elas me fossem reveladas gradualmente, um pouco de cada vez, em vez de serem reveladas de repente e imediatamente diante de meus olhos, numa época que eu ainda não entendia. Sua infinita misericórdia, eu teria me enforcado. Em proporção ao modo em que foram reveladas, o desejo de ser entregue foi fortalecido em mim por um impulso maravilhoso do alto: por um extraordinário evento espiritual, fui levado a transferi-los para meus heróis "
Escute o podcast deste episódio no link abaixo :
https://anchor.fm/psicopatologia/episodes/Gogol
Referências :
Selected Passages from Correspondence with friends
Vanderblitt University press, 1969
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