Septimus e os pardais que cantam em grego


Neste episódio falarei do livro Mrs. Dalloway de Virgínia Woolf, publicado em 1925.
         Tudo se passa num único dia, uma quarta feira de junho em 1923.
A trama se entretece desde o início da manhã, quando Clarissa Dalloway sai para comprar flores para sua festa, até a madrugada. A vivência do tempo é um dos principais aspectos do romance. Vamos destacar para a nossa análise o personagem :
 
 "Septimus Warren Smith, com cerca de trinta anos, rosto pálido, nariz pontudo, de sapatos marrons e um sobretudo surrado, com olhos castanhos escuros que tinham aquele ar de apreensão que deixa apreensivos até os mais completos estranhos."

O doutor Holmes "lhe tinha dito para distrair o marido ( que não tinha nada de grave a não ser uma pequena indisposição) com coisas exteriores." mas a esposa, sabia que a situação era mais preocupante do que uma simples indisposição.
"Não conseguia ficar sentada a seu lado, quando estava com aquele olhar fixo, 
sem vê-la e tornando tudo terrível"

Septimus tinha combatido, era um veterano da Primeira Guerra Mundial e tinha como diagnóstico, o que era conhecido na época como neurose de guerra ou stress pós- traumático. Uma reação frente à intensidade dos bombardeios e luta, que gera uma impotência e que se traduz num pânico, uma dificuldade de raciocinar, dormir , caminhar e um constante medo.

 
Ele vive num mundo interior, fala sozinho ou com os mortos, seu pensamento 
está confuso e alucinado, como descreve belamente Virginia Woolf :

"Os homens não deviam cortar árvores. Existe um Deus (Ele anotava tais revelações no verso de envelopes). Mudar o mundo. Ninguém mata por ódio.Anunciar isso (escreveu). Esperou. Escutou. Um pardal pousado na grade do outro lado chilreou  Septimus, Septimus, quatro ou cinco vezes em seguida, e, prolongando as notas, continuou a cantar fresco e penetrante com palavras em grego que não existe crime e, juntando-se a ele outro pardal, cantaram em voz prolongada e penetrante com palavras em grego, entre árvores na campina da vida na outra margem de um rio onde caminham os mortos, que não existe morte.Existia sua mão; existiam os mortos. Coisas brancas se condensavam atrás das grades do outro lado. Mas ele não ousava olhar Evans atrás das grades !"

         A mulher percebia que "Septimus não era mais Septimus", comportamentos bizarros e a emoção à flor da pele : 

"Ele tinha se tornando cada vez mais estranho. Dizia que havia pessoas falando por trás das paredes do quarto. Mrs Filmer achava aquilo esquisito. Ele também via coisas - tinha visto a cabeça de uma velha no meio de uma samambaia. E no entanto podia ser feliz quando queria. Ele foram a Hamptom Cout no segundo andar de um ônibus , e estavam plenamente felizes. Todas as florezinhas vermelhas e amarelas despontavam na relva, como lâmpadas flutuantes disse ele, e falaram, conversaram e riram, inventaram histórias. de repente ele disse : Agora vamos nos matar ", quando estavam junto ao rio, e ela o fitou com um olhar que ela tinha visto em seus olhos quando passava um trem ou um ônibus - um olhar como se algo o fascinasse e ela sentiu como que ele se afastava e o segurou pelo braço."

 Septimus não tem no romance nenhuma relação direta com Clarissa Dalloway.
 O contato dos dois se dá de forma geográfica - pela Londres que dividem e pelo dia atribulado que compartilham. Septimus acaba cometendo suicídio, atira-se da janela do seu apartamento e ao ouvir, através da esposa do Dr.Bradshaw, outro médico que tratara do caso, Clarissa fica desconcertada.
Talvez os personagens seja pratos de uma mesma balança e se afetem num mesmo eixo - o espírito de uma época e as formas de convivência social.
É interessante esta provocação de Virgínia Woolf e nos deixa o questionamento sobre o limiar do desenvolvimento das enfermidades psíquicas. 


Escute o podcast no link abaixo :


Sugestão de filme baseado na obra : As Horas


 Referências :

 
  

 
Se quiser acompanhar o processo de tradução da obra por Denise Bottmann 

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