Macbeth: malícia e alucinação



A peça foi pela primeira vez apresentada, segundo os historiadores por volta de 1606. 
O enredo se passa na Escócia, onde Macbeth, primo e fiel vassalo do rei Duncan, graças aos seus atos de bravura na guerra, é promovido a Thane de Cawdor e credencia-se à sucedê-lo no trono.
Lady Macbeth — (…) ‘Thane de Cawdor’, por cujo título essas estranhas irmãs me haviam antes chamado, referindo-se a um tempo por vir com um ‘salve quem vai ser rei!’

Macbeth hospeda o rei em seu palácio para pernoitar, e tomado por sua ambição, resolve em conluio com sua esposa, assassinar o rei.Esta realização é intensamente discutida e analisada. Lady Macbeth reza para que seu marido perca o "leite da bondade humana" e que sem esta solidariedade consiga 
cometer o crime.
Em um monólogo, Macbeth hesita em falar a palavra assassinato e utiliza a palavra feito.

"Se ficasse feito, quando feito, seria bom que fosse feito logo. Se o assassinato pudesse trancar as consequências e alcançar com seu cessar sucesso. Que apenas este golpe pudesse ser o todo e o fim todo, aqui e apenas aqui nesta margem e corrente de tempo, arriscaríamos a vida por vir "

Ele sabe, portanto a consequência de seu crime para a sua alma e do significado deste rompimento com todas as tradições e valores : 
"O rei está aqui em confiança dupla, primeiro sou seu parente e seu súdito. Ambas forças contra o feito. Depois como anfitrião, que deveria fechar a porta aos assassinos e não portar a faca eu mesmo"
No momento em que se dirige ao quarto do rei, para executar o seu plano ele vê dois punhais : um imaginário e outro real. 

Macbeth: Será um punhal que vejo, a minha frente, com o cabo para mim? Vem que eu te agarro!Não te alcanço, mas fico sempre a ver-te! Então não és, visão fatal, sensível Ao tato como aos olhos?"

A mesma mão que mata o rei é a mão que se arrepende. “Macbeth (olhando a mão) — É uma triste visão”. Macbeth vai do desejo vinculado à profecia sobrenatural à culpa do ato praticado. 

Escutei uma voz "Nunca mais dormirás, Macbeth matou o sono"

Ele sente o horror que é o crime. Logo, as bruxas são seres malignos e não as donas de seu destino. A culpa não foge de Macbeth. Ele experimenta a contradição do homem que está pressionado entre o céu e a terra. A consciência de seu crime vai gerar pesadelos e delírios.

Macbeth — Que mãos são essas que me arrancam os olhos?Será que o vasto oceano de Netuno.Pode lavar o sangue destas mãos?Não; nunca! Antes estas mãos conseguiriam avermelhar a imensidão do mar. Tornando rubro o verde.

Ele consegue o seu intento de ser rei, mas a tormenta em sua alma o leva à cometer mais crimes.Os vilões em Shakespeare não estão separados da humanidade, ele são humanos que escolheram a malícia, esta soberba desesperada e sofrem uma tragédia consciente. O que se nota é a ambiguidade de figuras que estão, ao mesmo tempo, entre o delírio do imaginário interno de Macbeth e em um mundo de imagens inseguras (“não naturais”). Não é somente Macbeth quem tem pesadelos e sofre de ambição. O mundo que está à sua volta também delira e se debate nas mesmas incertezas que se passam por dentro desse protagonista. Diz o crítico, Frank Kermode : 

"Macbeth se fixa neste momento de crise, um momento que parece isento do momento normal do tempo, quando o futuro é atulhado no presente " 

Esta imobilidade gera fantasmas, Macbeth vê o espectro de Banquo durante um banquete em seu castelo, acusando -o. “Escorpiões entopem minha mente,Querida! Banquo e Fleance vivem.” 

Os  sintomas subjetivos não podem ser observados por meio dos órgãos dos sentidos. Só podemos alcançar esses sintomas subjetivos quando nos transferimos por meio da empatia para dentro da vida psíquica de outra pessoa. Somente por meio desse procedimento de compartilhamento da experiência psicopatológica do paciente - e não através do pensamento lógico - podemos obter uma consciência interna dos sintomas subjetivos. Sintomas subjetivos são todas aquelas emoções e processos internos que nós alcançamos imediatamente como a expressão de algum fenômeno sensorial, como, por exemplo, o medo. A Literatura nos ajuda no entendimento deste percurso interno, ou nesta compreensão psicológica descrita por Karl Jaspers.

"Quando o conteúdo dos pensamentos emerge um a partir do outro de acordo com as regras da lógica, nós compreendemos as conexões racionalmente. Mas, se nós compreendemos o conteúdo dos pensamentos tal como eles derivaram dos sentimentos, desejos e medos da pessoa quem os teve, nós compreendemos as conexões psicológica ou empaticamente. Somente o último meio de compreensão pode ser chamado de "compreensão psicológica"

Shakespeare é um mestre deste meandros subjetivos e sua arte é um verdadeiro tesouro para o entendimento destes envenenamentos da alma.  

Escute o podcast deste episódio no link:

https://anchor.fm/psicopatologia/episodes/Macbeth



SHAKESPEARE, William. Macbeth. Trad. Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.

 KERMODE, Frank. A linguagem de Shakespeare. Trad. Bárbara Heliodora.Rio de Janeiro: Record, 2006.

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