Escrever é uma forma de oração, diz Kafka

Franz Kafka nasceu em Praga, na época do Império austro-húngaro, atual República Tcheca, no dia 3 de julho de 1883. Filho de Hermann Kafka, rico comerciante, de família judia, e de Julie Kafka, cresceu sob a influência das culturas judia, tcheca, e alemã.
Seu conselho para os escritores era de que  evitassem dois vícios muito comuns na modernidade :
“Existem dois pecados capitais, dos quais todos os outros derivam: impaciência e indolência
Por causa da impaciência os homens foram expulsos do paraíso, por causa da indolência 
eles não voltam”



Suas cartas dão dicas preciosas sobre a arte de escrever e testemunham a sua dedicação
 ao ofício de escritor:  
"Escrevi essa história […] em uma só noite, das dez da noite às seis da manhã. Foi-me difícil tirar minhas endurecidas pernas de sob a escrivaninha após tantas horas de trabalho. Isso depois do terrível esforço e da alegria de ver como a história ia se desenvolvendo, como ia avançando por sobre as águas. Várias vezes nessa noite, minhas costas arquearam sob meu peso. Você pode dizer todas as coisas, tudo: há um grande incêndio, no qual as ocorrências mais estranhas são consumidas e renascem. Atrás da janela, ficou azul. Um carro passou. Dois homens atravessaram a ponte. Às duas, verifiquei o relógio pela última vez. Quando a empregada passou pela antecâmara, escrevi a última frase. À luz do dia, apaguei a lâmpada. Dói-me o coração. O cansaço desaparece. Trêmulo, chego ao quarto das irmãs. Leio em voz alta. Antes, com uma mesura diante da empregada, disse: “Escrevi até agora”. A cama, imaculada, como se a tivessem acabado de arrumar. A convicção confirmada de que, ao escrever meus romances, me encontro em desonra. Só assim se pode escrever, nesse contexto, com total abertura do corpo e da alma. A manhã toda na cama. Os olhos sempre claros. Muitos sentimentos durante a escrita, como a alegria de estar fazendo algo bonito […]."
ou apresentam traços do seu processo criativo :
"Não produzi uma única linha que reconheço como minha, mas, pelo contrário, apaguei tudo o que escrevi […]. Meu corpo inteiro me avisa a cada palavra; cada palavra, antes que eu a escreva, primeiro olha ao seu redor. As frases quebram-se dentro de mim e eu as vejo em suas entranhas, para então as escrever, imediatamente."

Temos também acesso as suas mais de quinhentas cartas, escritas para Felice sua noiva e analisadas por Elias Canetti em seu livro O outro processo. 
Kafka conheceu Felice Bauer no 13 de agosto de 1912 na casa da família de Max Brod, seguramente seu melhor amigo. Como diz Canetti  em seu livro : "Felice era exatamente o que ele necessitava. Percebera de que carecia, a saber, de alguma segurança à distância, de uma fonte de energia, que não perturbasse sua sensibilidade mediante um contato por demais próximo, de uma mulher que existisse para ele, sem esperar mais da parte dele do que palavras, de uma espécie de transformador, cujos eventuais defeitos técnicos ele conhecia e dominava a ponto de poder consertá-los imediatamente por meio de cartas." 


O momento de convívio com Felice é de grande fecundidade criativa para Kafka. 
A escrita toma o escritor como uma febre e ele escreve desassossegado:
“hoje é certo que lhe escreverei ainda outra vez, mesmo tendo que escrever muitas mensagens e tendo que escrever um conto que me veio a mente na cama, em plena aflição, e que me assedia desde o mais fundo de mim mesmo."
Em 1912 Felice recebera uma carta sobre a finalização da Metamorfose e vemos que Kafka, o mais temeroso dos seres, dividido entre o amor e a náusea pela história escrita
"Mi amor, pero qué extremadamente repulsiva es la historia que acabo de apartar a un lado para recuperarme pensando en ti. Ha avanzado ya hasta un poco más de la mitad, y en conjunto no estoy descontento con ella, pero en cuanto a nauseabunda, lo es de un modo ilimitado, y cosas como esas, te das cuenta, provienen del mismo corazón en el que tú habitas y toleras como morada."

É somente em seu diário, que vemos relatada esta falta de compreensão sentida e que vamos perceber no protagonista da história ,Gregor Samsa :

"Preso entre quatro paredes de mim mesmo, descubro-me um emigrante preso em um país estrangeiro... vejo minha família como alienígenas cujos costumes, ritos e linguagem estrangeiros desafiaram minha compreensão."


Seu livro : A Metamorfose, foi publicado ainda em vida e dedicado a seu pai, em 1915, durante a Primeira Guerra. No ano de 1922, Kafka pedirá a seu amigo Max Brod que destrua todas as suas obras após sua morte. Contra o desejo expresso do escritor, que queria que seus inéditos fossem queimados, Brod publicou romances, textos em prosa, e até mesmo correspondência pessoal e diários. Kafka falecerá dia 3 de junho de 1924 , de tuberculose no sanatório Kierling, na Áustria.

Escute o podcast deste episódio, no link abaixo : 
Kafka e a escrita

Essencial Kafka : as interpretações de Kafka por Rodrigo Gurgel





Dica de leitura : 

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