Jakob Wassermann e seus romances de estranhamento

Jakob Wassermann publicou em 1918, uma história que causou comoção em toda Europa :
Kaspar Hauser ou a indolência do coração.


Trata-se do caso de um adolescente abandonado em Nuremberg, envolto em mistério, com dificuldade de falar, de andar direito e totalmente desacostumado ao convívio humano e consequentemente aos hábitos sociais.
Você provavelmente ouviu esta história à partir do cinema, vários filmes sobre Kaspar Hauser foram produzidos, incluindo o do diretor alemão Werner Herzog de 1973, trabalho cujo título significa, em tradução literal, "Cada um por si e Deus contra todos" 
Kaspar Hauser, é um personagem atormentado pela sensação de estranhamento e por uma busca pela própria identidade que chega às raias do desespero. 


Seguindo esta mesma linha de pesquisa da angústia de não pertinência e busca por autenticidade, temos o romance trilogia de Jacob Wassermann , com os títulos:  
0 Processo MauriziusEtzel Andergast e a  A Terceira Existência de Joseph Kerkhoven.

Vamos atentar para o primeiro livro, disponível no Brasil pela tradução de Octavio de Faria.

Wassermann descreve o estado de corrupção em que se encontra a sociedade alemã, 
no período entre-guerras.O romance trata da condenação indevida de Leonhart Maurizius por uma assassinato que não cometeu. O responsável por esta injustiça é o promotor e pai de Etzel Andergast, que vai descobrir aos 16 anos, a complexidade e a ineficiência da burocracia judicial.
Etzel passa então a olhar com desconfiança para o temido promotor:
"Em sua infância, ele (Etzel) imaginava que seu pai ficava sentado no centro do universo, gravando com um formão todos os pecados e todas as transgressões dos moradores da cidade numa placa de mármore "
Em seu livro, A Condição Humana, Hannah Arendt diz :
"O desaparecimento do senso comum nos dias atuais é o sinal mais seguro da crise atual. 
Em toda crise é destruída uma parte do mundo, alguma coisa comum a todos nós."
Como foi que perdemos este mundo comum , este senso de confiança ?
Hannah Arendt explica: 


"Só se pode experimentar o mundo tal como “realmente” é entendendo-o como algo que é compartilhado por muitas pessoas, que está entre elas, que as separa e as une, revelando-se de modo diverso a cada uma, enfim, que só é compreensível na medida em que muitas pessoas possam falar sobre ele e trocar opiniões e perspectivas em mútua contraposição."

Este espaço intersticial de convivência foi se estreitando e com seu empobrecimento, vivemos 
uma perda no sentido de bem comum. O mundo só é uma morada para todos, se as coisas transcenderem suas funções utilitárias, e forem vistas de acordo com a necessidade da comunidade
 É essa dissolução do sentido, este estranhamento, que vemos no romance de Wassermann. 
As consequências desta fragilização comunitária, tem repercussão imediata na juventude, 
momento de questionamento dos valores e tradições.
  Etzel Andergast é um exemplo claro, desta perplexidade frente ao mundo adulto, 
desta negação da experiência dos pais e repúdio da cultura.
Walter Benjamin, outro filósofo que viveu no período já sentia esta contraposição, um tempo que não conseguia mais passar suas histórias de geração em geração. 
Antes mesmo da Guerra iniciar a fogueira do espírito já parecia estar em cinzas. 
"Sabia-se exatamente o significado da experiência: ela sempre fora comunicada aos jovens. 
De forma concisa, com a autoridade da velhice, em provérbios; de forma prolixa, com a sua loquacidade, em histórias; muitas vezes como narrativas de países longínquos, diante da lareira, contadas a pais e netos. Que foi feito de tudo isso? Quem encontra ainda pessoas que saibam contar histórias como elas devem ser contadas? Que moribundos dizem hoje palavras tão duráveis que possam ser transmitidas como um anel, de geração em geração? Quem é ajudado, hoje, por um provérbio oportuno? Quem tentará, sequer, lidar com a juventude invocando sua experiência? "

Quem tentará, sequer, lidar com a juventude invocando sua experiência ?
Como educar neste cenário ? 
Estamos no período de ascensão nazista ao poder e Etzel se interroga sobre a justiça e busca através do caso Maurizius, revindicar para si o papel de correção dos males do
 sistema judiciário da época :
"e ...o que devo eu fazer ?
De que utilidade me serão neste caso as minhas relações comigo mesmo ?
Não posso então exigir uma coisa: o direito, a justiça. Devo deixa-lo apodrecer na prisão ?
Devo esquecê -lo "

Mas será que é simples assim ?
A palavra "justiça", na obra de Jakob Wassermann, é mais escorregadia do que pensamos, ele apresenta esta atenção necessária e prudência, através de uma conversa do guarda Klakusch e o presidiário  Leonhart Maurizius.
" A justiça é uma palavra que parece peixe, escapa -nos quando a seguramos "

O que realmente nos escapa ? 
Esta é a conversa para o nosso próximo episódio.

Escute o podcast neste link :
Jakob Wassermann e seus romances

Veja o trecho desta entrevista : 


Hannah Arendt








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