Ovídio e as Metamorfoses

Públio Ovídio Naso nasceu em 43a.C. em Sulmona, num momento importante de transição política em Roma, com a morte de César. 
Ele era filho de uma família rica e política, que esperava que seguisse a carreira de advogado, mas viveu dedicado à poesia no período da Pax Romana. 
Ovídio participava de um Círculo de escritores financiados pelo patrono :
Marco Valério Messala Corvino. Cria em sua obra Amores e  nas Heroides cartas imaginárias de amantes famosos, que exercerá grande influência nos trovadores da Idade Média. No livro - Arte de Amar, revela com minúcias as estratégias da conquista erótica e nos 
Remedia Amores as formas de se libertar das mesmas..
 O poeta foi exilado em 8d.C por Augusto, e apesar de muitas especulações em torno deste fato, não existe uma clareza do que gerou esta circunstância, Ovídio viveu até 18d.C.
 

"Dicere formas in nova corpora mutatas " 
Falar de figuras que se mudaram em novos corpos
Este é o tema da obra as Metamorfoses.

Esta é a única obra de Ovídio, composta em hexâmetro dactílico (1), imitando Homero e Virgílio e a tradição épica. São quinze livros e duzentas e cinquenta histórias, divididos pelos historiadores de diferentes maneiras. 
Escolhemos aqui a organização que divide em três seções de cinco livros cada : Deuses, Heróis e Homens.
A obra  explica as transformações de diferentes personagens míticas, por ordem cronológica, desde a origem do cosmo até à transformação da alma de César. Ovídio elabora o mito como um modelo arquetípico para as criações, quer estas se desenrolem no plano biológico ou psicológico. 
Sua função mestra seria de fixar modelos exemplares para os atos significativos do homem, ricos pelo seu conteúdo e funcionando como exemplo, oferecendo um sentido, criando e anunciando algo. 
Nesta narrativa estruturante, o mito quando estudado faz reviver a realidade primordial, satisfaz a profundas necessidades religiosas, 
aspirações morais, as pressões e os imperativos da ordem social, e mesmo as exigências práticas. 
Ovídio produz uma estratégia narrativa que "desenha" uma imagem global de um canto sem interrupção acerca das origens do mundo até seu tempo. 
Recupera a tradição da Teogonia de Hesíodo e sua narrativa não tem uma unidade 
de ação, é uma compilação de vários mitos entretecidos, vinculados ao tema da mudança.
É preciso ler a obra entendendo como aconselha Rafael Falcón, que a metáfora é mais do que um fenômeno linguístico:

"é uma analogia simbólica, um modo de pensar que unifica objetos aparentemente diversos, que descobre os princípios 
ocultos do cosmos, por meio da imaginação."
Os mitos das metamorfoses, são para Ovídio, uma oportunidade de contar histórias, mais que isso de usá-las para explicar o mundo ao redor dos leitores, concedendo-lhe mais vida, mais música , melhores contornos; diz Rafael Falcón.
Recomendo a leitura de sua versão comentada em versos traduzidos por Bocage.


Os mitos são sementes imaginativas que germinam em diversas formas literárias, eles nos servem como repertório e inspiração 
e cumprem um papel fundamental na Educação ao longo da história. 
Curtius faz observações sobre a importância e a influência das Metamorfoses de Ovídio, especialmente na Idade Média : 

"No início de As Metamorfoses o século XII encontrou uma cosmogonia e cosmologia acordes com o platonismo contemporâneo [...]. 
Mas as Metamorfoses eram também o repertório empolgante e romanesco da mitologia. 
Quem era Faetonte? Licáon? Procne? Aracne? 
Ovídio era o Who’s Who para milhares de perguntas semelhantes. Era preciso conhecer as Metamorfoses muito bem; do contrário, impossível compreender os poetas latinos. 
Ademais, todas essas histórias mitológicas possuíam cunho alegórico. 
Ovídio também era, portanto, um repositório de moral. 
Dante ornamenta episódios do Inferno com metamorfoses que deviam sobrepujar Ovídio [...].
Como diz o  poema de Fernando Pessoa, Ulisses : 

"O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus 

É um mito brilhante e mudo

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre. "

O mito este nada que é tudo é o que fecunda a nossa realidade e alimenta 
 possibilidades de ver o numinoso que nos habita


Escute o podcast deste episódio:


Referências : CURTIUS, E. R. Literatura Européia e Idade Média Latina. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1957. 

(1) O hexâmetro dactílico (ou "heróico"), constituía-se essencialmente de seis pés dactílicos ou seus equivalentes espondeus, cada um com um elemento bem marcado e outro mais fraco; o "tempo" bem marcado correspondia sempre a uma sílaba longa, e o "tempo" fraco a uma sílaba longa ou duas breves. Havia geralmente uma "pausa" ou cesura no meio do verso (terceiro pé), de modo a permitir a respiração do declamador...Eis a estrutura métrica do primeiro verso da Ilíada de Homero, composto por volta de -750: Um dáctilo (dactilus, em grego “dedo”)


Dica entrevista Univesp sobre Ovídio


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